Alucinação III
Há qualquer coisa de errado aqui. Elevada temperatura.
Não estás febril, ainda não estás febril. Louca.
Revolta-te! Bate o pé. Bate o livro. Bate a porta.
Porque é que não bates com a cabeça? Louca.
Está Sol. Vamos para a praia? Não, aula de História.
É isto que me põe louca. Doente. Dormente? Revoltada.
Lembram-se do cavaleiro? Foi para a reforma. Ficou o plástico.
Vamos construir um foguetão? Dar a volta à Terra.
Será que ainda é azul? Ou negra de cinza e vermelha do sangue.
Queimada... Vamos para a Lua! Construir outra humanidade.
Com água e sal sobreviveremos. E açúcar. Quem precisa de oxigénio?
Levemos então apenas dinheiro. Paguemos por luz todo o ano.
O cavaleiro olhará da Terra e dirá “agora é sempre Lua Cheia!”
Poupem-me, poupem-me. Há séculos que tentamos destruir o mundo.
Venha daí quem tem coragem para carregar no botão!
Agora é tudo automatizado. Leprosos preguiçosos! Cobardes reles!
Comigo não fogem, não. Vou levar um boneco de papel. Dois!
Não estou a ouvir nada, pois não? Que se lixe! Perdão pela linguagem.
Somos realmente mal-educados. Sabes. Sei. Ignoramos. Rebeldia.
Estupidez! Vamos destruir também a língua por preguiça!
O único requisito é ela não nos ter feito mal algum... Confirmadíssimo!
E o cavaleiro que não me trouxe o termómetro. Afinal enganei-me,
Não se reformou, foi despedido! Inútil entre inúteis. Descartável.
Não somos todos assim? Para alguém... Metade do mundo. Mais!
Percebo, percebo. É o calor. A letargia. A visão desfocada, distante.
A mão pouco firme. A voz desinteressante. Palavras que se escapam.
E doença? É Verão na Primavera. É dormir acordado. É tédio.
Não há gargalhadas maléficas na minha garganta. Triste tristeza.
Quero ir ao castelo de cartas. Quero a cama alta. Colcha de penas.
Quero rasgar essas páginas e queimá-las no fogo do esquecimento.
Quero antes lembrar o delírio daquela noite, porta fechada, álcool no sangue.
Besteira imaginária, amnésia! Sonho? Ignorância! Experiência perdida.
Ser aquela e não esta, a inconsciente, ai, a inconsciente! Louca!
Não saber este momento. Apagar o pó da sujidade, limpar a consciência.
Não, não tenho medo. Quero lembrar-me louca, ou inerte, ou em ti.
Nos teus braços, nos teus lábios... Não sei, não sei. Disparates! Disparates!
És outro cavaleiro de plástico. Para a reciclagem! Da próxima sais melhor.
Enfim que quero, entre quereres que não se podem querer? É do Sol, da febre
E talvez da falta desse outro calor. Luxúria sem pecado, pessoal, segredo.
E tu que lês, já sabes, não digas. Eu digo: não está certo! Loucura.
É isto que a clausura faz às pessoas...
Raquel Martinez Neves
28-Abr-10
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