Abraça-me como quando eu era criança
Promessa
As horas são de madeira
E os minutos de papel
O tempo rasga-se assim
Entre os dias de uma vida
Como relógio de corda
E o futuro faz-se presente
E o passado faz-se lixo
Ou memórias eternas
De uma noite de amor
Ou dez minutos de magia
Contigo nos meus braços
Porque fugir é pecado
Vamos enfrentar o alarme
Que os fins não se adiam
Tal como não se adia a vida
E amanhã é outro dia
Como outro dia foi hoje
E se fizermos tudo errado
A hora certa chegará
A expiação é um direito
Como a espera é um dever
E a esperança pertence-te
Como o tempo jamais o fará
Porque nos foge das mãos
Tal cronómetro incansável
Que corre rumo ao vazio
Construindo sobre o nada
O todo que forma a vida
Até que o tempo se esgota
E o eterno momento afinal
Coube em poucos segundos
Quando o lento se faz rápido
E tudo aquilo que nos sobra
São insuficientes recordações
De um destino promissor
Raquel Martinez Neves
19-Ago-11
Ruína
Rasga-me as entranhas
E dá-las a comer ao teu orgulho
Arranca-me o coração pelo peito
E talvez então possas comprovar
Que tem o teu nome escrito nele
Bebe as minhas memórias
E vomita-as como o pecado que são
Insulta-me fria e cruelmente
Atira-me ao chão
Com a força das tuas palavras
Que estas lágrimas não te parem
Que esta dor não te intimide
Apaga somente o teu sofrimento
E, amor, talvez então
Consigas espaço para o perdão
Raquel Martinez Neves
19-Jul-11
(Des)consolação
Fecha a porta à chave
Enterra o rosto nas almofadas
Pensa em mim
Sente as memórias na pele
E encontra a saudade
Conhece a distância
Que choram os teus olhos
Não penses em mim
Ouve a minha voz
Vê de novo as fotografias
Sorri mais um vez
O tempo não é inimigo
Pensa em mim
Despe-te lentamente
Imagina as minhas mãos
Suave desejo ardente
Não te quebres à minha frente
Não penses em mim
Limpa essas tuas lágrimas
Cobre-te com o lençol
Adormece comigo e sonha
Em fazer amor ao pôr-do-sol
Pensa em mim
Jamais estarás só
Vivo no teu coração
Deixa fluir as horas, os dias
Há mais no mundo, paixão
Não penses em mim
Em breve estarás aqui
Amanhã estarei ai
Olha-me apenas esta noite
Sabes que te pertenço
Pensa em mim
Inspira o meu cheiro em ti
Abraça-te com força
O fantasma da minha boca
Ainda te beija a face
Não penses em mim
Recorda as promessas
Cada momento de magia
O encaixe corporal perfeito
E os meus lábios nos teus
Pensa em mim
Que esta noite, amor,
Eu também penso em ti
Raquel Martinez Neves
19-Jul-11
Sinto a inspiração descer profusamente pelo meu ventre
É quente e doce nestas dez últimas horas de espera
O relógio sempre foi meu inimigo
E enquanto as linhas crescem de forma análoga a um poema
A vida gasta-se e tu ainda não estás aqui
Na irregularidade dos sorrisos e das lágrimas
Escrevemos a nossa história
E a poesia não é nada senão palavras de saudade e amor
Escritas sem a ordem da literatura mas com a do coração
Sem rima porque o amor não rima
Sem métrica porque o amor não se mede
Sem estrofes porque o amor não se divide
E sinto a inspiração a desfazer-se lentamente entre os dedos
É vã e ilógica nestes seiscentos últimos minutos de espera
O relógio sempre foi meu inimigo
E enquanto as linhas escasseiam de forma análoga ao tempo
A poesia morre e tu ainda não estás aqui.
Raquel Martinez Neves
14-Jun-11
Outra Noite
Foste cavaleiro por uma noite
Pastor da minha alma pela madrugada
Rezaste pelo meu coração
E guiaste-me com sorrisos pelas trevas
Foste anjo, foste pecado
Silêncio arquejante sobre o meu peito
Sorte sóbria e amarga
Nesses lábios donos do teu mundo
Foste sonho de verão
Embalaste a minha solidão nesses braços
Oh, cavaleiro!
Deste à vida o prazer de a viver
E neste cântico meu
Pobre corpo vaso de lágrimas secas
Foste meu, só meu
E a inocência lavada em sangue morreu
Foste o princípio da noite
E o final adiado do sol da manhã
Foste a primavera
Cândida paixão no berço da nova era
Regressa logo
Sem o peso da armadura e sem armas
Vulnerável como eu
Neste reino de castelos de lençóis
Onde a loucura
Meu amor, onde a nossa loucura
Se fecha e se esquece
Deixando de fora o resto do mundo
E tu, cavaleiro
És tão somente um nobre homem
E eu, mulher
Não peço nada mais do que isso
Outra noite.
Raquel Martinez Neves
28-Abril-2011
O rasto da tua luxúria na minha pele
A tua memória é um fantasma que me assombra
Um desejo insaciado que ainda me acompanha
Como uma promessa que sei que não vais cumprir.
O teu cheiro permanece ténue na minha roupa
Mas já mal recordo o sabor da tua boca na minha.
Leve consolo de te ter sabido junto ao meu corpo
Esperança frígida alimentada pela cálida atracção.
Uma noite trancada na caixa das horas secretas
Adeus, coração.
Raquel Martinez Neves
25-Mar-11
Epifania II
Sente-te possuída pelo aroma quente da poesia
Veneno ácido que corrói o sistema emocional
Numa corrente corrompida de realismo ilusório
Vertido no berço casto de uma mente virgem.
Deixa-te afogar pelas palavras da incompreensão
O grito sufocante de uma revolta indolor e incolor
A incerteza do ar gasto e sujo que respiramos.
A vida é um não à espera de um sim, simples assim
Como afirmar que o céu é azul e as nuvens brancas
Encarnadas as entranhas e o sangue por derramar
Não sei o que mais desejar, senão o fumo da morte
Entranhada na vida como memória esquecida
Porque o tempo a fará constantemente voltar.
Convém sempre saber que se diz o que aqui se lê
E o sentido não importa aos sentidos mas à razão
Somente que não é ela que põe as mãos no mundo
E sente a textura salgada das lágrimas e da dor
E a dura suavidade fina e frágil da fome e da sede.
A história é deixada para que outros a contem
As questões sempre pairam sem resposta no ar
O contentamento é rápido de obter mas efémero
E eternas são as dúvidas tão velhas como a vida
A presença fantasmagórica das miragens do real
Fundidas nas realidades alternativas do ser
Tão privadas e secretas, abstractas e concretas
Como a verdadeira sabedoria sobre todos nós.
Raquel Martinez Neves
22-Fev-11