Decadência
O chão é mácula de pecados refeitos,
A tentativa subtil de juntar os pedaços
Que escorregam e nos caem dos braços
Manchando de dor os ladrilhos baços
No compasso do relógio que abranda
Só para nos ver dobrar e quebrar,
Largar a vida rasgada para ser pisada
Mais fundo que o nosso fundo não há.
O chão é berço de um bom nascimento
Mas também o caixão de uma má morte
E não há quem não tenha essa sorte,
Dá-me a tua mão, dou-te a minha mão
Que no peito são intestinos, não coração
E toda a porcaria que lavámos na vida
Está afinal escondida bem dentro da pele
Tão à vista que cega a vista e não vemos.
O chão é refúgio para qualquer alma,
Melhor amigo que o nosso melhor amigo
Está sempre lá quando nós caímos,
Ampara o corpo com a dureza da verdade
Recebe tudo da impureza à castidade
Não nos empurra para cima até ser tempo
Que o desespero é cálido por um momento
E mentira que ergue é mentira que derruba.
O chão é promessa de nós dois juntos
Certa e segura como caminharmos na ruína,
A base e o sustento, e o leito do desalento
Trémula firmeza quando nos derramamos
Somente carne e ossos, e lágrimas e sangue,
E sonhos pejados da imundice do vício,
Memórias violadas pela independência,
Arrependimento, desilusão e decadência.
Raquel Martinez Neves
26-Ago-10