Alucinação IV
Ela correu descalça pelo tapete vermelho
Era veludo mas pareciam chamas
O álcool balouçava-lhe na cabeça
Os olhos viam dois paraísos ambulantes
Abriu os braços e falhou os braços
Rompeu directa entre coisa nenhuma
Caiu e voltou a ficar de pé, cambaleante
Às cegas procurou a garrafa
Doce e amargo como a alma dos homens
Queimou o mais profundo de si
E voltou os olhos delirantes para o céu
Acreditava ser o Sol, o sujo candeeiro
Como belo achava o seu reflexo
E gritou, gritou para a ouvisse lá em cima
Esfregou o rosto negro de melancolia gasta
Essas lágrimas que ele arrancava
Frio e sem piedade do seu olhar manchado
E falou-lhe com agonia e convicção
— Agora vamos fazer um acordo, Deus!
De joelhos tombou no chão, miserável
Lavou as mãos na dor e prostrou-as
Conteve os soluços, tremeu, gemeu
E não obstante o álcool dançando nela,
Volveu-lhe um olhar seguro e lúcido
— Responde-me! Faremos um acordo,
Deus, faremos um acordo!
Falas comigo, e eu farei tudo, Deus,
Farei tudo o que quiseres!
E no negro silêncio, Ele não respondeu
O corpo dela caiu e esperou, deitada
No tapete vermelho como mar de fogo
E o silêncio virou ebúrneo no amanhecer
Deus não lhe respondeu
Agora sabia, com sóbria certeza cruel
Que não podia culpar os homens pela sua arrogância.
Raquel Martinez Neves
14-Jun-10